Nasce em Fontiveros, entre Ávila e Salamanca, no ano de 1.542. Sua família era muito pobre. Seu pai era rico, mas ao casar, contra a vontade da família, foi deserdado. Seu pai morre cedo, a família chega a passar fome e a viver em situação de verdadeira miséria. Aos 21 anos entra para o noviciado dos carmelitas. Inicia a vida religiosa em 1.563, ano em que termina o Concílio de Trento.
Em setembro de 1.567 casualmente encontra-se com Santa Teresa de Jesus; o jovem carmelita ficou impressionado com Santa Teresa D'Avila. Teresa tinha então 52 anos, experimentada decidida e reformadora; João da Cruz, 25 anos, jovem sacerdote, tímido e sem experiência. Santa Teresa convida-o a participar da reforma carmelitana, lhe oferece um projeto de vida novo, muito atrativo, mas que exigirá uma grande capacidade de sacrifício. Frei João se entusiasma, está disposto a tudo, apesar de jovem é experimentado no sofrimento, na oração e na penitência; aceita o desafio. Estava iniciada a reforma do Carmelo.
O espírito da reforma era constituído basicamente de um ritmo intenso de oração, austeridade de vida e vida fraterna. Em dezembro de 1.577, São João da Cruz é perseguido pelos religiosos contrários à reforma. É detido no cárcere conventual de Toledo, por nove meses, até conseguir fugir. Aquilo que poderia ter sido a destruição física, psíquica e moral de João da Cruz, tornou-se, por sua vez, a graça que transformou um homem de caráter, e aqueles nove meses de sofrimentos e de cruz, na realidade foram a gestação dolorosa de uma nova criatura humana e espiritual.
Em muitas horas de solidão, de contemplação e de aflição, os seus conhecimentos e experiências se organizaram unicamente em torno de Deus, que se torna, assim, o ‘Tudo’ de sua existência. Saboreou a passividade mais absoluta, deixando nas mãos de Deus e dos homens o seu próprio destino. Frei João da Cruz faleceu aos 14 de dezembro de 1.591, em Ubeda.
Suas principais obras são: "Subida ao Monte Carmelo"; "Noite Escura"; "Cântico Espiritual" e "Chama Viva de Amor".
Doutrina
Para controlar os estímulos pecaminosos é necessária a prática ascética. Ascese teologal: o desapego ascético deriva do amor concentrado. Ascese para São João da Cruz é estar absorto em Deus, como centro do coração humano. A exigência ascética é sempre precedida e motivada pelo amor a Deus, antes de qualquer renúncia ou mortificação.
Na obra ‘Cântico Espiritual’, São João da Cruz compara o comportamento ascético ao efeito provocado pela paixão. A pessoa apaixonada não se mortifica renunciando ao amor de outras pessoas, ou deixando à parte outros divertimentos, ou encarando sacrifícios para encontrar-se com a pessoa amada. Tais renúncias são coisas naturais, quase despercebidas, para um amor concentrado e radical.
O desapego ascético deriva do amor concentrado. Deixa à parte ou em segundo plano às coisas, pois está absorto na pessoa que ocupa o centro de seu coração. Como no êxtase, a concentração de energia num setor abandona ou reduz ao mínimo a atividade nos outros.
A ascese do doutor místico alcança inclusive os dons sobrenaturais. A negação diante de certas comunicações sobrenaturais não é desinteresse diante do ‘presente’ divino, mas maior interesse pela pessoa que dá o presente. O presente serve para aumentar a comunhão pessoal: recebe-se, agradece, aprecia, para fixar-se imediatamente sobre a pessoa que com tanta bondade fez tal doação. A verdadeira comunhão não se cria entre o dom e a pessoa que o recebe, mas entre a pessoa e aquele que dá o presente (o doador). É egoísta quem antepõe a utilidade de um presente ao vínculo de comunhão que este exprime. Assim São João da Cruz recebeu os dons de Deus, com toda atenção e afeto totalmente dirigidos à pessoa de Deus.
Deus se comunica na fé: na fé, Deus se comunica assim como é: próximo, infinito, envolto numa luz que ofusca. Pela fé, o homem recebe uma capacidade insólita de acolher o mistério revelado; fazendo deste mistério o fundamento de sua própria existência e história. A vida é um caminhar na fé, tendo Deus como apoio e paradigma, sem depender de outras coisas, até mesmo das consolações espirituais, revelações e visões.
Deus se comunica como é, tornando-se, assim, o fascínio e o tormento da fé. O fascínio provém de sua beleza e bondade infinita. Todavia, a revelação divina significa presença de amizade, não evidência visual ou intelectual. Deus se revelou, mas não se desvelou. Permanece envolto no mistério da sua grandeza insondável. Mesmo manifestando-se, continua a ser invisível. Daqui o tormento da fé.
Este modo de ser e de agir de Deus é para São João da Cruz algo que excede toda capacidade humana, mas não provoca embaraço. Sente na transcendência divina uma maior plenitude divina de comunicação com o homem. A obscuridade se apresenta a São João da Cruz como efeito marginal e tolerável; é a garantia que o Deus vivo supera todo pensar e imaginar do homem.
Um Deus reduzido e desvalorizado às proporções humanas não diz nada a sua inteligência e ao seu coração. Prefere o Deus vivo, mesmo sofrendo a dor, que para ele é alegria, do mistério insondável da transcendência divina. Sem nada desprezar daquilo que pode compreender com a pobre luz de que dispõe, São João da Cruz sabe que Deus é muito mais, infinitamente mais, do que pode compreender.
Na fé Deus se comunica, na fé Deus é recebido. Usando a definição clássica da escolástica, São João da Cruz repete: “A fé é um hábito certo e obscuro” (2S 3, 1). É uma realidade obscura, porque revela coisas interessantíssimas e fundamentais de um mundo totalmente novo. Não dispomos de uma base intelectual para compreendê-la, porque tal realidade não conserva nenhuma semelhança com as nossa percepções sensíveis, nem com as construções produzidas pela imaginação ou pela inteligência.
Deus mesmo se revela na sagrada Escritura e o faz em termos humanos, passando pelo crivo de uma psicologia humana e de uma cultura histórica. Deus mesmo ao revelar-se continua a afirmar que é muito mais do que tudo isto.
Na fé revelada coexistem luzes e trevas. Não se pode identificar as próprias construções mentais com Deus. Segundo Karol Wojtyla (futuro Papa São João Paulo II), na obra ‘A fé segundo São João da Cruz’, “a fé é somente o meio próximo e adequado pelo qual o ser humano se une a Deus. Por meio da fé, o ser humano chega nesta vida a unir-se com Deus e a comunicar-se sem mediações com ele.