Francisco Bernardone nasceu em Assis, em 1181 ou inícios de 1182. Filho de Giovanna e Pietro di Bernardone, rico comerciante de tecidos. Na ausência do pai, sua mãe batizou-o com o nome de João Batista. O pai queria que se chamasse Francisco, por simpatia com a França, a quem muito devia favores comercialmente. Daí, com certeza, a explicação para ter prevalecido o nome Francisco.
O santo, em sua humildade, não fez sua própria biografia. Não se pode esperar de sua obra nenhuma informação precisa de sua vida. Não encontramos mais do que alusões a alguns de seus comportamentos, que ele comunica a seus irmãos como exemplo. Assim, no seu testamento, o mais autobiográfico de seus escritos, lembra que sempre tentou viver do trabalho de suas mãos, para que os irmãos fizessem o mesmo.
Além do mais, pelo menos um de seus escritos mais importantes, a primeira Regra que escreveu em 1209 ou 1210, se perdeu. Perderam-se também suas cartas, assim como a maior parte de seus poemas. São Boaventura escreveu a vida oficial do santo ou “Legenda
Maior” (1263); Tomás de Celano escreveu a “Vita Prima” e a “Vita Secunda” (1228-1244) e o “Tratado dos Milagres” (1253), passando pela “Legenda dos três companheiros”, o “Espelho da Perfeição dos Irmãos Menores”, a “Legenda Antiqua”, “As Bodas Espirituais de São Francisco com a Pobreza” e “Os Fioretti”
Francisco passou uma juventude despreocupada e depois de algumas tentativas mal-sucedidas de encontrar glória nas armas, converteu-se a Deus decidindo servir os humildes e necessitados. Rompeu definitivamente com a família que impedia a realização da sua opção de vida e começou a pregar e a viver na pobreza, esforçando-se por tornar-se um ‘outro Cristo’, pelo ideal da imitação e da humildade até a mortificação de si mesmo. Logo depois o seguiram alguns companheiros a quem deu uma regra que continha os elementos essenciais da vida religiosa. O Papa Inocêncio III concedeu-lhes, em 1210, a aprovação verbal e, em 1212, Francisco fundou juntamente com Santa Clara a segunda ordem (as
Clarissas) e em 1221, a terceira ordem dos leigos. No dia 29 de novembro de 1223, o Papa Honório III aprovou definitivamente a regra franciscana; em setembro de 1224, o santo recebeu os estigmas no monte ‘Alverne’ e, em 1225, compôs o “cântico das Criaturas”, a primeira grande obra da literatura italiana. Morreu na noite entre 3 e 4 de outubro de 1226, na Porciúncula de Assis.
No século XIV, os ‘franciscanos’ dividiram-se entre ‘observantes’ e ‘conventuais’. Em 1517, os ‘observantes’ receberam a provação do Papa Leão X e foram confirmados como “Ordo Fratrum Minorum regularis observantiae (bula ‘Ite et vos in vineam – frades menores). Os conventuais permaneceram como ramo independente (OFM ‘conventualium’). Outro motivo posterior de reforma, ainda no século XVI, mais precisamente em 1525, foi o dos capuchinhos (OFM ‘capucinorum).
Toda a aventura franciscana tem sua origem no chamado de Deus, que ocorreu na capela de são Damião, pequena Igreja, próxima de Assis, onde o santo, todo absorto na oração, ouviu do Crucifixo bizantino, por três vezes: “Francisco, vai e restaura a minha Igreja, que, como vês, está em ruína”. Num primeiro momento, Francisco compreende a mensagem em sentido material, e se põe a restaurar a capela onde rezava, realmente necessitada de
reparos. Mas depois compreende o verdadeiro sentido da mensagem: a restauração moral da Igreja.
Outro momento central tem lugar na leitura do evangelho da festa de são Lucas (18 de outubro de 1208) ou de são Matias (24 de fevereiro de 1209). Trata-se de textos nos quais Jesus traz a regra de conduta para seus discípulos: “(...) dizei ao povo: ‘O Reino de Deus está próximo de vós’” (Lc 10, 9); “Não leveis ouro, nem prata, nem cobre nos vossos cintos, nem alforje para o caminho, nem duas túnicas, nem sandália, nem cajado (...)” (Mt 10, 9-10). Diante de tal revelação, Francisco se estremeceu de júbilo e exclamou entusiasmado: “Isso é o que eu quero; isso é o que eu busco; isso é o que no mais íntimo do coração anseio por em prática”. Francisco rompeu com seu pai, um homem rico e individualista. Despese
não só de sua roupa, mas de tudo o que consistia o estilo de vida da época e vai viver uma pobreza absoluta. Passa da classe dos ‘maiores’ e vai para a classe dos ‘menores’. Em vez de confiar no poder do dinheiro, joga-se nas mãos da ‘Providência Divina’. Mais que ‘irmãos menores’, ele e seus companheiros eram ‘irmãos trabalhadores’, que viviam do fruto de seu trabalho manual diário. Não aceitavam dinheiro como pagamento, mas
somente seu sustento diário.
Francisco era um homem alegre. Sua vida nada tinha de deprimente, de penoso, de tristonho, apesar de sua grande penitência. Três vezes por ano, Francisco fazia seu retiro de 40 dias com jejum e oração solitária; flagelava-se frequentemente e às sextas-feiras sempre jejuava; mas nada disso fazia-o um santo de mau humor, tristonho, pelo contrário, era alegre e feliz, pois era o amor a Cristo que o levava a praticar todos esses gestos. Aliás, Francisco dizia, “a única razão de tristeza é o pecado. Mas, quem um dia pecou, deve logo confessar o seu pecado, receber o perdão e voltar alegre, porque o demônio gosta de gente triste”. Dentro desta tônica de liberdade e de alegria, Francisco deixou-nos uma impressionante mensagem de alguém que acreditava muito mais no aspecto positivo da vida cristã do que nos negativos, que a vida humana decaída nos traz. Por isso, Francisco preferia pregar a verdade que condenar o erro; preferia muito mais pregar o amor que combater o ódio; preferia acender uma vela que espancar a escuridão.
Completando o círculo de suas mensagens, Francisco dava o testemunho de um universalismo verdadeiramente cristão. Seu amor abrangia todos os seres humanos, apesar das diferenças de raça, de cor e até de religião. Esta sua atitude era sinônimo do amor do Cristo que morreu para salvar toda a humanidade. ‘Irmão Universal’ foi um título que lhe deram com pleno merecimento. De que fonte Francisco tirava tantas qualidades humanas e cristãs? Como é que tão grande despojamento atraía para ele tão grande revestimento
moral e espiritual? Por que ele conseguiu ser tão humano, tão compreensivo com todas as pessoas, tão amigo e irmanado com a natureza, com os pássaros, com os montes, com as cachoeiras, com os animais, com o universo, em suma? Todo esse humanismo lhe provinha de sua profunda experiência mística. Uma mística simples, mas profunda. Uma mística que, em seu tempo, chocou homens e mulheres da Igreja, pelo seu realismo, pela sua autenticidade e pelo seu radicalismo corajoso e confiante em Deus.
Deus revelou-se a Francisco como o ‘infinito’. Ou seja, o ser ao qual não falta nenhuma das perfeições possíveis de existir e que supera tudo aquilo podemos atribuir a ele. Este infinito, o totalmente transcendente, inatingível pelas forças humanas, aquele que está acima de qualquer qualificação que podemos atribuir-lhe. Este ‘infinito’ esvaziava totalmente Francisco de qualquer pretensão, e nesta vivência do seu ‘nada’, Francisco podia e devia ver em Deus o seu ‘tudo’.
Completando esta absoluta supremacia de Deus sobre nós seres humanos, Francisco vivia intensamente o maior mistério da revelação cristã a respeito de Deus: o Mistério da Santíssima Trindade. Nas muitas orações de Francisco nota-se uma preocupação de dirigir-se a Deus quase sempre invocando as pessoas da Trindade, dirigindo-se ora ao Pai, ora ao Filho, ora ao Espírito Santo. Esta certeza profunda de fé que envolvia a alma de Francisco,
mergulhava-o na região silenciosa do mistério. A vivência concreta deste nada de seu ‘eu’, era preenchida pela presença personalizante do Deus Trino. Por isso, Francisco podia dizer com a boca cheia que Deus era o ‘tudo’ de sua vida.
Este aspecto divino era palpável na vida de Francisco. Toda a sua liberdade, sua alegria contagiante, seu espírito de criança, sua confiança e entrega total à Providência Divina era um espelho, era uma transparência enorme da presença de Deus, da ação concreta de Deus em sua vida. O aspecto positivo e confiante da atitude de Francisco, que expulsava todo negativismo próprio dos derrotados e derrotistas, que só enxergam e se atraem pela catinga dos detritos apodrecidos dos defeitos e dos pecados humanos, em Francisco era algo nascido da sua compreensão do amor que Deus tem pelos homens, e da redenção de nossos pecados conquistada pela morte de Cristo. E aqui surge mais um aspecto típico da espiritualidade de Francisco: a encarnação do Verbo divino. Para atingir nossa humanidade, Deus se fez ‘Um’ de nós. Jesus é o ‘Mistério’ de Deus colocado ao alcance de nossas mãos e de nosso coração.
No dizer do Papa Pio XI, Francisco foi o santo que mais se identificou com Jesus Cristo. Desde o seu natalício, passando por toda a sua vida até chegar à sua estigmatização com as chagas de Jesus, Francisco foi a cópia mais perfeita da vida de Jesus. Ele podia dizer, com toda a verdade, a palavra de são Paulo: “Eu, Francisco vivo, mas já não sou eu quem vive, é
Cristo que vive em mim”.
Outro ponto importante da espiritualidade franciscana é a fraternidade universal, segundo a qual todos os homens estão unidos por relações de solidariedade, onde aparecem incluídos também os animais, como o lobo e os passarinhos. Ele podia fazer isto porque a alma cheia de pureza e de amor vê a natureza com os próprios olhos de Deus, que ao criá-la viu que tudo era bom. Esta atitude de se elevar até o ponto de vista de Deus só se encontra
naquelas pessoas que chegaram a uma comunhão com Deus num despojamento radical de qualquer realidade terrena, vivendo já absorvidas em Deus. Através da ascese do desapego chega-se à alegria do júbilo perfeito, mesmo na adversidade e na morte. Tudo aquilo que Francisco livremente renunciou, retornam novamente a ele, não mais permeado do que é efêmero, mas como realidades permeadas pela presença do Criador.