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A espiritualidade medieval

Publicada em 01/08/20 às 12:57h - 440 visualizações

por Dom José Roberto Fortes Palau


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Mosteiro de São Damião - Assis  (Foto: pinterest)
A espiritualidade monástica dá o tom à Idade Média. São as ordens religiosas que norteiam a espiritualidade neste período: os beneditinos, os cônegos regulares, os franciscanos e os dominicanos. Estas ordens religiosas constituíram-se em verdadeiras "escolas de espiritualidade".

Espiritualidade Beneditina: caracterizou-se por uma espiritualidade afetiva e litúrgica. Seu maior expoente foi São Bernardo de Claraval. Um grande místico, um homem que fez uma forte experiência de Deus. Transmite aos outros sua experiência, seu caminho para comungar Deus.

A doutrina espiritual de São Bernardo parte do homem, "imagem e semelhança de Deus", com o pecado a imagem se corrompe; já a semelhança se perde com o pecado, mas pode ser reconstituída com a conversão, o arrependimento e a comunhão mística com Cristo.

A libertação do pecado acontece na busca de reabilitar a semelhança com Deus: “Sou livre porque sou semelhante a Deus, sou miserável porque estou em oposição a Deus”. A conversão a Deus se faz pela prática da humildade. A percepção de sermos pecadores, reconhecer a verdade sobre nosso ser (ato de humildade), gera a passagem da soberba para a caridade. Portanto, a humildade leva ao amor, isto é, leva
a tornar-se semelhante a Deus.

São Bernardo distingue quatro estágios do amor: a) amor carnal: a pessoa que ama a si mesma; b) amor mercenário: ama-se a Deus egoísticamente; c) amor filial: Deus é amado por si mesmo; d) amor esponsal: é a identificação com Cristo (restabelecimento da semelhança perdida). Unindo-se a ele serão um só espírito.

São Bernardo chama o amor esponsal de "deificação": a pessoa
humana é assimilada a Cristo. Porém, enquanto for peregrino no mundo, o ser humano não poderá atingir senão uma "deificação parcial". A deificação só será perfeita na glória do paraíso, onde o matrimônio espiritual será completo.

São Bernardo apresenta um quadro completo da vida espiritual: um itinerário que vai do conhecimento de si à posse de Deus, da humildade ao êxtase, do pecado à glória. São Bernardo é o primeiro grande mestre que de maneira sistemática concebeu a vida mística como vida de "comunhão esponsal" (matrimônio espiritual) entre o ser humano e Deus.

Para chegar à comunhão mística, e mesmo no auge da contemplação, a pessoa não deve jamais deixar de meditar os mistérios da vida de Jesus e da Virgem Maria. É a ascese: dos mistérios humanos à contemplação da divindade do Verbo.

São Bernardo foi também um profundo devoto da Virgem Maria, sendo inclusive chamado de "Doctor Marianus". Suas reflexões a respeito da Virgem Maria influenciaram toda a Igreja do seu tempo e dos períodos futuros, basta lembrar que seus ensinamentos foram utilizados por personagens famosos como São Boaventura e Dante Alighieri. 

No século XI, a Igreja oficializa a "Ordem dos Cônegos Regulares". Os Cônegos Regulares eram comunidades de padres diocesanos que, viviam segundo os conselhos evangélicos e se dedicavam ao trabalho pastoral. O denominador comum da espiritualidade destes Cônegos Regulares foi o de ver, na vida comunitária e nas práticas dos votos religiosos, um meio eficaz para garantir uma santificação sacerdotal aos próprios membros.

Entre as mais importantes ordens de Cônegos Regulares encontra-se os "Premonstratenses", fundada por São Norberto, em Premontré, no norte da França, em 1125. Carisma da ordem: assegurar o ministério paroquial.

Nos mosteiros, os monges dedicavam-se exclusivamente à realização da própria perfeição pessoal. Por sua vez, os Cônegos Regulares, ao contrário, reuniam-se numa forma de vida religiosa com votos e vida comum, mas para bem desempenhar as funções pastorais, como o clero secular. A base da vida religiosa dos Cônegos Regulares era a regra de Santo Agostinho.

No final do século XIII, teve início a vida monástica feminina, pois havia um grande número de mulheres que desejavam dedicar-se a uma vida de solidão, de austeridade e de oração. Estes monastérios femininos tinham como base a regra de São Bento. A monja é caracterizada como a "esposa de Cristo", aquela que está constantemente dedicada à busca de uma sempre mais alta e totalizante comunhão com o Senhor, até atingir o vértice da comunhão mística.

A vida monástica feminina é muito rica. Encontramos mulheres
investidas de um carisma profético que exercitaram um notável influxo sobre a espiritualidade da época, a ponto de se tornarem verdadeiras mestras de vida interior. O exemplo e a sabedoria de "Santa Hildegard von Bingen" e de "Santa Clara de Assis", revelam-se fundamentais para o tecido eclesial de seu tempo, do momento que se tornaram autênticas mestras no campo da
ascese, da mística e da simbologia esponsal aplicada à união com Cristo.

Santa Hildergard nasceu em Bermersheim, Alemanha, em 1098, última de dez filhos. Foi monja beneditina, mística, teóloga e compositora. Certamente, foi uma das pessoas mais notáveis da Idade Média. Eleita abadessa por sua comunidade beneditina aos 38 anos de idade, ela fundou dois mosteiros adicionais durante seu mandato de 45 anos.

Hildegard revela-se como uma mulher visionária, mas também
extremamente prática e determinada. Como abadessa e grande mestra de espiritualidade experimentou as alegrias ao verificar o progresso espiritual de suas monjas, mas também tristezas, ao constatar que muitas monjas não se esforçavam para progredir na vida espiritual.

Além das graças das "visões interiores", teve também notáveis
habilidades em ciência médica, visto que escreveu livros sobre ervas medicinais. As suas obras no campo religioso são três: "Il Liber Vitae Meritorum", "Il Liber Divinorum Operum" e o "Scivas". 

Estas obras nascem de uma íntima experiência mística e propõem uma reflexão incisiva sobre o mistério de Deus. O Senhor tinha-a tornado partícipe, desde menina, de uma série de visões, cujo conteúdo ela ditou ao monge Volmar, seu secretário e conselheiro espiritual, e a Richardis de Strade, uma irmã monja. Mas é particularmente iluminante o juízo dado por São Bernardo de Claraval, que a encorajou, e sobretudo pelo Papa Eugênio III, que em 1147 a autorizou a escrever e a falar em público.

A reflexão teológica permite que Hildegard esquematize e compreenda, pelo menos em parte, o conteúdo das suas visões. Nestes textos são narradas as suas experiências místicas, além dos caminhos para atingir uma comunhão profunda com Deus.

Hildegard apresenta a si mesma e a nós a questão essencial se
é possível conhecer Deus: é esta a tarefa fundamental da teologia. A sua resposta é plenamente positiva: mediante a fé, como através de uma porta, o homem é capaz de se aproximar deste conhecimento. Contudo, Deus conserva sempre a sua auréola de mistério e de incompreensibilidade. Ele torna-se inteligível na criação, mas isto, por sua vez, não é compreendido plenamente se for separado de Deus. 

Com efeito, a natureza considerada em si fornece só informações parciais, que com frequência se tornam ocasiões de erros e abusos. Por isso, também na dinâmica cognitiva natural é necessária a fé, senão o conhecimento permanece limitado e incompleto.

Um dos ápices do magistério de Hildegard é a exortação urgente a uma vida virtuosa que ela dirige a quem se compromete num estado de consagração.

A sua compreensão da vida consagrada é uma verdadeira
"metafísica teológica", porque firmemente radicada na virtude teologal da fé, que é a fonte e a constante motivação para se comprometer profundamente na obediência, na pobreza e na castidade. Ao realizar os conselhos evangélicos a pessoa consagrada partilha a experiência de Cristo pobre, casto e obediente e segue os seus passos na existência diária. Isto é o essencial da vida consagrada. 

No ano de 2012, O Papa Bento XVI conferiu a Santa Hildegard Von Bigen o título de "Doutora da Igreja". Eis as palavras de Bento XVI: "Por isso a atribuição do título de Doutora da Igreja universal a Hildegarda Von Bingen tem um grande significado para o mundo de hoje e uma extraordinária importância para as mulheres. Em Hildegard resultam expressos os valores mais nobres da feminilidade: por isso também a presença da mulher na Igreja e na sociedade é iluminada pela sua figura, tanto na ótica da pesquisa científica como na da ação pastoral. A sua capacidade de falar a quantos estão distantes da fé e da Igreja fazem de Hildegard uma testemunha credível da nova evangelização".

Outro grande nome da vida monástica feminina, neste período, é Santa Clara, de família nobre, que nasceu em Assis, Itália, em 1193. Era Domingo de Ramos de 1211, e o silêncio da noite, nos campos de Assis, foi quebrado pelos passos rápidos de Clara, dezoito anos. Sabia estar indo contra a sua amada e rica família, mas Deus inspirou nela o desejo de uma verdadeira liberdade: ser pobre.

Aquela fuga de toda segurança foi o epílogo de percurso
iniciado sete anos antes, quando presenciou a um fato chocante: um jovem rico se despoja das suas roupas, as devolve ao pai e abraça a Senhora Pobreza. É Francisco! Naquela noite, ele estava na Porciúncula aguardando Clara: corta os seus cabelos, entrega-lhe um hábito de lã grosseira e lhe encontra abrigo no mosteiro Beneditino de São Paulo, em Bastia Umbra. Seu pai tentou, em vão, convencê-la a voltar para casa.

O gesto de Clara atrai outras mulheres, entre as quais sua mãe e as irmãs: logo se tornaram cerca de cinquenta. Francisco as chamou "Pobres damas" ou "Pobres reclusas" e colocou-lhes à disposição o pequeno mosteiro de São Damião, que acabara de restaurar e onde recebera o convite "Vai e repara a minha casa". Entre o Pobrezinho e Clara há plena comunhão: ela acompanha a missão dos Frades no mundo, mediante a sua oração incessante, junto com suas coirmãs.

A primeira mulher a escrever uma Regra era forte e determinada; ela obteve a aprovação, por parte de Gregório IX, - sigilada, depois, com a Bula de Inocêncio IV, em 1253, - do "privilégio da pobreza" e do ardente desejo de "observar o Evangelho". 

A doença marcou seus últimos 30 anos, mas jamais viola seu alegre contrato com o Senhor na oração: "Nada é tão grande – escreve – quanto ao coração do homem, no íntimo do qual Deus reside". A incansável adoradora da Eucaristia, com a custódia nas mãos, afugentou os sarracenos de Assis.

Em uma noite de Natal, recolhida em oração, assiste, na parede da sua cela, os ritos que, naquele momento, se realizavam na
Porciúncula, coração pulsante da comunidade dos Frades. Por este motivo, foi declarada, por Pio XII, padroeira da Televisão.

Santa Clara faleceu no dia 11 de agosto de 1253 no chão duro do Mosteiro de São Damião. Seus lábios sussurram a última oração de ação de graças: "Senhor, vós que me criastes, sede bendito". Uma incontável multidão participou do seu enterro. Dois anos depois, foi proclamada Santa pelo Papa Alexandre IV.

A espiritualidade de Clara de Assis concentra-se sobre a "Kenosis de Jesus", sobretudo no evento de sua paixão e morte de cruz. Clara destaca como Jesus aceitou a dor, o desprezo e a morte para a salvação da humanidade.

A santa busca o amor a Jesus pobre e crucificado; tem diante dos olhos essa imagem de Jesus e convida-nos a considerar, contemplar e desejar imitá-lo em nossa vida. Convida-nos à entrega incondicional de si à vontade do Pai, à semelhança de Jesus. Abraçar essa imagem de Jesus, admirá-la, até dar uma resposta ao seu amor humilde e crucificado, representada pela sua imitação, é, para Clara, seguimento, discipulado.

O seu método de contemplação parte de buscar o Senhor nos eventos da própria vida cotidiana, de descobri-lo através da esfera sensível e aprofundar, pela reflexão, a sua vida e a sua "Kenosis". Clara incentiva a admirar e imitar a humilhação e a doação de Cristo: a contemplação é sempre seguida pelo seguimento (configuração). Trata de se espelhar na vida pobre de Jesus e a propô-la ao mundo através de um coerente
testemunho de vida. Em suma: contemplação para Santa Clara significa imitar Cristo e suas virtudes no dia-a-dia de nossa vida.

Podemos afirmar que Santa Clara foi tocada fortemente pela pobreza e pela humildade de Jesus; nisto consiste sua experiência mística. Ela foi animada pela vontade de seguir Jesus Cristo e a sua cruz; estimulada a percorrer seu caminho de sofrimento, sua paixão: ela revela o desejo de assemelhar-se ao divino Esposo pobre, sofredor, crucificado. 

Daqui compreende-se a escolha e o significado do voto de
virgindade. Clara é totalmente tomada pelo amor de Cristo, um amor que não é isento da morte e da dor, um amor que motiva à imitação, por isso mesmo, ela oferece toda sua existência a Cristo. Ela se entrega totalmente a esse amor.

Essa entrega transforma-se em comunhão nupcial com o Amado: Clara deseja o crucificado pobre. Este desejo invade toda a sua vida, toda a sua atividade. A santa contempla Jesus verdadeiro Deus e verdadeiro homem, desprezado e sofredor. Ela é impulsionada a seguir Jesus que se fez solidário com toda a humanidade, com todos os pobres.

Santa Clara ensina-nos que quem procura reproduzir em si próprio a vida de Cristo une-se cada vez mais profundamente a Ele, até a comunhão plena. Realiza-se neste processo de configuração ao Senhor um esvaziamento de tudo aquilo que é egoísmo e auto-afirmação, e um preencher-se do amor e das virtudes de Cristo.



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