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Espiritualidade - Moisés

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por Dom José Roberto Fortes Palau


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A EXPERIÊNCIA DE MOISÉS

1. A história de Moisés
A bíblia relata o nascimento de Moisés de forma singular: é belo, com um destino diferente das outras crianças hebreias, pois é introduzido na corte do faraó, onde recebe uma formação de príncipe (cf. Ex 2, 1-10). O costume dos faraós de instruir alguns estrangeiros asiáticos, para depois prestar-lhes serviço, é documentado. Moisés certamente foi um deles.
Após matar um egípcio para defender um hebreu, Moisés foge para a terra de Madiã (cf. Ex 2, 11-15). A diferença cultural entre o Egito e Madiã era enorme: era trocar uma sociedade refinada por uma vida de pastores nômades.
Madiã aparecia um bom asilo, mas era também um exílio. Ao tentar libertar um hebreu da opressão egípcia, Moisés fez uso da violência (homicídio). Faltava a Moisés a experiência do deserto. Em Madiã, Moisés faz essa experiência. Jetro, sacerdote de Madiã, acolhe Moisés em sua casa, lhe dá uma de suas sete filhas, Séfora, como esposa, torna-se seu sogro, e o faz participante da riqueza de sua família(cf. Ex 2, 16-22). Jetro torna-se uma pessoa muito importante na vida de Moisés. Em Madiã, Moisés torna-se um pastor, um homem solitário atrás das ovelhas, sempre em busca de novas pastagens para seu rebanho.
É nestes anos de Madiã que se forja a espiritualidade do maior líder do povo hebreu. O deserto e as estepes constituem o lugar do grande silêncio. Moisés pôde refletir. Solitário atrás das ovelhas, ele sente a presença de Deus junto a si: uma presença que o acompanha por toda parte. Na solidão do monte Horeb, Moisés faz uma experiência mística: “Moisés olhou, e eis que a sarça ardia no fogo, e a sarça não se consumia” (Ex 3, 2b). É a experiência do “Mistério”, algo que ultrapassa a razão humana. É a transcendência divina!
A partir desta experiência mística, Moisés pensou em seu passado, no sofrimento de seu povo. Provavelmente, em contato com as ovelhas compreendeu, que para conduzir um povo, é necessária a mesma paciência que o pastor tem para conduzir seu rebanho. E reconheceu o quanto errou no passado.
É neste contexto psicológico que a bíblia narra a teofania de Deus no monte Horeb (aquele que depois será o Sinai), a vocação e a missão de Moisés a retornar ao Egito para libertar seu povo; mas desta vez fortalecido pela presença irresistível de “Iahweh” (cf. Ex 3, 1-20).
Não foi fácil para Moisés tomar esta decisão; ele relutou, inclusive enfatizando sua dificuldade para falar: “Perdão, meu Senhor, eu não sou um homem de falar; (...) pois tenho a boca pesada, e pesada a língua” (Ex 4, 10). Porém, discerniu que Deus colocaria outras pessoas para ajudá-lo nesta árdua missão: “Não existe Aarão, o levita, teu irmão? (...) ele fala bem (...). Ele falará por ti ao povo; ele será a tua boca (...)” (Ex 4, 14-16). A decisão de Moisés retornar ao Egito foi semelhante ao episódio de Abraão, quando decidiu partir para uma terra desconhecida.
Moisés partirá de Madiã para o Egito com um projeto, na convicção que Deus estava com ele. E Moisés experimentará que será Deus mesmo que abrirá uma nova história para o povo hebreu escravizado no Egito.
“Iahweh” significa “Eu sou aquele que é”. A valência semântica do verbo ser não é idêntica na cultura hebraica e na nossa. Para nós, ser equivale a existir, independentemente de como e onde. Para um hebreu, ser significa existir de um modo situado e finalizado: se existe aqui, se existe para, se existe com. A nós, interessa a noção, o conceito de existir; ao semita, interessa o dinamismo da existência. “Iahweh” é uma presença dinâmica junto a Moisés.
“Iahweh”, o Deus de Moisés, é um Deus a serviço de um povo, que entra e muda sua história, lhe dá liberdade, lhe restitui a dignidade, lhe dá possibilidade de existir. Um Deus que cria a existência. Um Deus criador, mas na história.
De Moisés o povo hebreu aprendeu a conhecer e experimentar “Iahweh” como o único Deus existente em sua história, e, portanto, o único Salvador. Será justamente essa experiência de unicidade de presença na própria história que levará Israel a ver sempre mais “Iahweh” como o único Deus. O monoteísmo será somente uma lógica e histórica consequência da espiritualidade do povo hebreu (cf. Dt 4, 35; 6, 4; 32, 29; Is 43, 10-13).

2. A experiência mística de Moisés
Segundo Ex 3, 1-5, a aparição que torna possível o encontro entre Deus e Moisés acontece sobre o monte de Deus, o “Horeb”, assim chamado porque era o lugar de culto dos madianitas e também porque será o lugar da manifestação de Deus. Essa montanha é chamada “Horeb” pela tradição eloísta (cf. Ex 3, 1), enquanto a tradição javista o chama de “Sinai”. É nesta montanha que a um pastor de ovelhas aparece Deus mesmo numa “sarça que pegava fogo e não se consumia”. Um “Mistério”. E porque o Mistério divino se revela justamente numa sarça? A espiritualidade rabínica têm algumas respostas para essa questão. Vejamos: “porque a sarça de espinhos é o mais humilde dos arbustos e Israel é o mais humilde dos povos” (rabi Eliezer). “Porque a sarça é a proteção dos jardins e Israel é a proteção do mundo” (rabi Johanan). “Porque a sarça é a árvore das dores e Deus sofre quando sofrem os hebreus” (rabi Josè). “A chama queimava, mas a sarça não se consumia, porque a dor será eterna em Israel, mas Deus não quer que se destrua seu povo” (rabi Nahman). Em suma, esta chama que arde numa sarça é Deus que se revela na história; um Deus que participa dos sofrimentos dos mais fracos, que não comunga da injustiça. Diante do Mistério de Deus, Moisés experimenta toda a sua pobreza: “Quem sou eu para ir até o Faraó (...)?” (Ex 3, 11). No íntimo, Moisés se sente muito pequeno para tamanha missão, mas esta é precisamente a condição espiritual necessária para apoiar-se unicamente na “força de Deus”. Força divina que estará sempre presente na vida de Moisés; um fogo inextinguível, também presente na vida de Abraão, de Isaac, de Jacó, como na vida dos profetas, como revela Jeremias: “Eu dizia: não falarei mais em Deus, porém no meu coração ardia um fogo, que me levava sempre a falar do Senhor” (Jr 20, 9).
Outro detalhe da experiência mística de Moisés: “Tire as sandálias dos pés, porque o lugar onde você está pisando é um lugar sagrado” (Ex 3, 5). Tirar as sandálias dos pés significa um gesto de humildade. Sem humildade não há experiência do Mistério divino. Somente o humilde que está preparado a abraçar seu húmus, sua humanidade, sua sombra, experimentará o Deus verdadeiro. A humildade é o caminho para Deus. Ela é a característica mais manifesta de que uma pessoa se transformou segundo a medida de Deus. Quanto mais próximo um homem chega de Deus, tanto mais humilde ele se torna. Pois é aí que ele sente, enquanto homem que é, o quanto está distante da santidade de Deus. A humildade é a resposta para a experiência de Deus.

DESERTO: TEMPO DE CRESCIMENTO

Para ir do Egito a Canaã, o grupo guiado por Moisés atravessou a península do Sinai. Uma península montanhosa e desértica. A tradição bíblica vislumbrou no deserto um tempo especial de “purificação” e “crescimento espiritual” para o povo hebreu. O deserto é um lugar totalmente inóspito; onde é difícil manter a vida, e é muito fácil perdê-la. Lutar pela sobrevivência no deserto é muito mais difícil do que em outros lugares. No deserto tudo é reduzido ao essencial. O deserto, além de um teste de resistência, foi também uma dura prova de fé para o povo hebreu. Mais que um lugar geográfico, o deserto se constituiu num tempo de purificação e crescimento da fé.

1. Deserto: lugar de desconfiança

Deixando o Egito, o povo hebreu, sob o comando de Moisés, deixava também as fertilíssimas planícies da terra dos faraós. Entrando na península do Sinai, foram obrigados a mudar radicalmente costumes e mentalidade. Não mais pastores seguros, dispondo de fartas pastagens; agora, necessitavam encontrar oásis raros e distantes, escondidos entre os rochedos, e que não dispunham de boa pastagem. Também precisavam encontrar água e economizá-la para manterem-se vivos.
O deserto assusta justamente pela sua principal característica: a “ausência”. Ausência de possibilidade de vida. No entanto, o deserto também tem “presença”. Presença de inimigos: animais ferozes e povos inimigos. No deserto, Israel encontrou inimigos como os “amalecitas”, e compreendeu que esses inimigos eram tão terríveis como a ausência de alimentos e água. Diante de todas essas dificuldades, o povo hebreu reagiu como era esperado: com desconfiança, com protestos e com o desejo de abandonar a caminhada rumo à terra prometida, e retornar ao Egito. O termo bíblico que expressa o estado de ânimo do povo hebreu no deserto é: “murmuração” (cf. Ex 15, 24, 16, 2.7-12; Nm 14, 2.36; 16, 11; 17, 6). Israel “murmurava” contra Moisés (cf. Ex 15, 24; 16, 2), mas também contra Deus (cf. Ex 16, 7-11), pois lhe faltava alimento e água.
Murmurar significava dissociar-se do projeto divino de possuir uma terra própria. Toda vez que murmurava, Israel demonstrava arrependimento de ter-se colocado em marcha, arrependia-se da liberdade conquistada, e almejava retornar ao “Egito das seguranças” (cf. Ex 17, 3), mas também ao “Egito da escravidão aviltante”. Deste episódio podemos colher um elemento de valor universal: não é nada atraente lutar por uma liberdade que custa, que tem os seus riscos, e que empenha até os limites da capacidade humana. A segurança a qualquer custo, o útil imediato, o não ser incomodado, certamente encontram um maior número de adeptos; é muito mais atraente que o desafio do deserto. A murmuração de Israel não era, como vimos, unicamente dirigida a Moisés, mas também a Deus. Aí, podemos inferir uma nova conotação ao termo “murmurar”. Quando murmurar é dirigido contra Deus significa “falta de fé”. E quando a murmuração contra Deus é repetida sete vezes (cf. Ex 16, 7-12), é considerada perfeita, segundo a cultura bíblica. Hoje, diríamos, “radical”. Isto significa que Israel contesta “radicalmente” a condução de Deus. Não lhe dá mais nenhum crédito; ou melhor, não dá mais crédito algum a sua palavra. Eis o verdadeiro limite de Israel: sua fé é tão somente de fachada. Este tema da “incredulidade” de Israel é retomado posteriormente por alguns salmos. Por exemplo, o Sl 78 é uma reflexão didático-sapiencial sobre a história de Israel, marcada pelas ações salvíficas de Deus e pela infidelidade do povo eleito. Com relação à experiência do deserto, o Sl 78 resume os acontecimentos da seguinte maneira: “Tentaram a Deus em seus corações, pedindo comida conforme seu próprio gosto. E falaram contra Deus: ‘Poderá Deus preparar uma mesa no deserto?’” (Sl 78, 18-19). A murmuração, neste texto, é chamada de “tentação”. Israel “tenta” Deus submetendo-o a um “exame”, o “exame” de sua onipotência também no deserto. Não são suficientes as provas de seu poder no Egito e no mar vermelho, Israel tem necessidade de ver Deus realizar “prodígios” no deserto, para continuar acreditando. É como dizer que os “exames” a que Deus é submetido não terminam nunca para uma “fé imatura”, para uma fé que tem necessidade de contínuas “provas” e de “benevolências”, para continuar a existir.
Também o Sl 106 reafirma a fé imatura de Israel no tempo do deserto: “Bem depressa se esqueceram das obras dele, e não confiaram no seu projeto: ardiam de ambição no deserto e tentaram a Deus em lugares solitários” (Sl 106, 13-14). A falta de fé é tão fatal tanto quanto o medo de enfrentar os riscos da vida. Quem é dominado pela incredulidade, não tem coragem de deixar de lado as “seguranças adquiridas”; não cresce mais, estaciona.

2. O deserto: lugar da pedagogia divina
Apesar de todas as murmurações do povo eleito, Deus permanece Deus, fiel as suas promessas. Deus continua a salvar Israel, continua a realizar suas ações salvíficas a favor do povo eleito. E realiza essas ações de modo imprevisível e providente. A água “amarga” de Mara transformada em água potável (cf. Ex 15, 22-26); o “maná” que servirá de alimento altamente nutriente, por todo o tempo que levou a travessia do deserto (cf. Ex 16; Nm 11, 4-9); bandos de codornizes que fizeram os hebreus esquecerem as carnes do Egito (cf. Nm 11, 31-35). Todos esses acontecimentos são sinais que revelam a presença contínua de “IAHWEH”, que acompanha Israel e não o abandona em suas necessidades.
No deserto o ser humano aprende como se vive com Deus. O deserto é o lugar da pedagogia divina. Pedagogia feita de ausência e de presença, de perigo e de salvação, de impotência absoluta e de absoluta gratuidade. O deserto escancara o nada do ser humano e o tudo de Deus. Enfim, o deserto é o lugar da fé nua, da esperança invencível e do amor fiel. É o lugar da transformação.

3. Deserto: lugar da solidão transformadora
A solidão é a fornalha da transformação. O próprio Jesus entrou nessa fornalha. Ali ele foi tentado com as três compulsões do mundo: ser capaz (“ordena que estas pedras se transformem em pães”), ser espetacular (“atira-te para baixo”) e ser poderoso (“tudo isso te darei”). Ali, Jesus afirmou ser Deus a única fonte de sua identidade (“Deves adorar o Senhor teu Deus e só a ele servirá”). O deserto é o lugar da grande luta e do grande  encontro: luta contra as compulsões do nosso eu e encontro com Deus. O barulho é sempre fuga de si mesmo. Solidão significa fazer companhia para si mesmo. Mas todas as vezes que tentamos fazer silêncio descobrimos que não é nada fácil, pois aparecem ideias, sentimentos de toda espécie, medos e relutâncias. Enfim, os primeiros momentos de silêncio
revelam nossa “confusão interior”, o “caos” de nossos pensamentos e desejos. Defrontamo-nos com as tensões interiores que nos angustiam. No silêncio, descobrimos qual é a nossa real situação. É uma “radiografia” de nossa alma! O silêncio ajuda-nos também a não falar mal do próximo. Eis o ensinamento do abade “Poimén”:
“Nós somos como um jarro vazio. Quando enchemos nosso jarro com serpentes e escorpiões, e mantemos este jarro tampado, estes bichos irão morrer. Mas se abrimos o jarro, estes bichos rastejarão para fora e morderão as pessoas. Quando vigiamos nossa língua, mantendo nossa boca fechada, então todas as serpentes e escorpiões não escaparão. Mas quando falamos destemperadamente, eles saem e mordem o irmão (...)”.
O silêncio ajuda-nos a ganhar distância em relação às nossas raivas e rancores. No silêncio, as feridas são cicatrizadas. O silêncio acalma as emoções, elabora nossos sentimentos e emoções. O silêncio é um processo de autoconhecimento e de cura. O silêncio é ainda condição “sine qua non” para o conhecimento de Deus; condição para se escutar a voz de Deus. O silêncio é o melhor espaço teologal e psicológico para acolher a Palavra de Deus: “Escuta, Israel, o Senhor teu Deus irá falar”.
Exemplo da Virgem Maria: pousar nosso olhar sobre as coisas e os acontecimentos. Transportar tudo para o silêncio do mundo de nossa interioridade para, novamente em silêncio, meditar tudo em nosso coração. Estar a sós com Deus, em silêncio. Não é pelas muitas palavras pronunciadas que Deus escutará nossos pedidos: “Não rezai como os pagãos, que acham que serão ouvidos pelas muitas palavras que dizem”. São João da Cruz recorda que a eficiência da oração não consiste em pedir, mas em mostrar nossas necessidades: Marta e Maria não pedem a Jesus o milagre, simplesmente dizem que o amigo que ele ama está doente (cf. Jo 11, 3). Outro exemplo: a Virgem Maria, nas bodas de Caná, não pede o milagre, mas comunica ao Filho que falta vinho (cf. Jo 2, 3). Deus é nosso amigo. “Rezar é estar a sós com quem sabemos que nos ama” (Santa Teresa D’Avila).
Exercitemo-nos no silêncio; não sejamos dependentes do barulho. Há pessoas que são viciadas em barulho, têm necessidade de uma dose diária de barulho, para preencher o vazio interior! Não simplesmente o silêncio exterior, mas o silêncio interior. O silêncio está dentro de nós. O medo do silêncio, nada mais é que medo de si mesmo, de reconhecer nossa identidade fragmentada: nosso “eu”. O silêncio nos proporciona uma experiência semelhante a de Moisés diante da sarça ardente: Moisés deixou-se queimar totalmente, depois de ter tirado as sandálias do egoísmo e das seguranças humanas. Somente o silêncio é o remédio que pode curar um mundo doente pelo barulho desintegrador.



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