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Espiritualidade - Abraão

A Voz do Bispo - 06/06/20

Publicada em 06/06/20 às 20:31h - 616 visualizações

por Dom José Roberto Palau - Bispo de Limeira


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 (Foto: Caravaggio)
Espiritualidade tornou-se uma palavra da moda, basta observar a farta literatura produzida recentemente acerca deste tema. O termo espiritualidade não é monopólio do catolicismo, nem mesmo do próprio cristianismo. Hoje, espiritualidade é um termo com amplo uso.
De modo bastante amplo, podemos definir espiritualidade como a “síntese de uma experiência divina intensamente vivida”, isto é, não uma síntese de caráter doutrinal, mas “uma síntese da experiência de valores religiosos vitalmente experimentados, tanto em nível de pessoas ou de movimentos ou de correntes espirituais”. Daí a necessidade do plural ‘espiritualidades’, pois existe, além da espiritualidade cristã, a espiritualidade hindu, budista, muçulmana, entre tantas outras. No entanto, há um núcleo comum entre as várias “espiritualidades”: a experiência marcante do “Mistério de Deus”. Quando as pessoas personalizam a experiência do “Mistério”, sentem-se como que habitadas por Ele e convidadas ao diálogo, à oração. Na raiz de cada religião está uma experiência marcante do “Mistério de Deus”. Por isso, podemos afirmar com certeza que cada religião tem seu caminho próprio para conhecer e relacionar-se com Deus: tem sua espiritualidade própria. Não se pode conhecer a Deus simplesmente com boas informações sobre Ele. O conhecimento de Deus e a comunicação deste conhecimento demandam um relacionamento pessoal com Ele e com aqueles com quem esta verdade é comunicada. Para nós cristãos, o caminho para conhecer e estreitar uma relação de amizade com Deus encontra-se na Sagrada Escritura. Um exemplo característico de experiência do Mistério é nos oferecido pela figura de Jó. Ele foi atingido pelos mais duros golpes que a vida pode reservar a um ser humano; perdeu tudo: os seus bens, a saúde, a família. Não consegue compreender Deus e ‘ralha’ com ele. Mas, no fim, tem de reconhecer que não se pode discutir com Deus, que não se pode penetrar o seu Mistério. Por isso permanece em silêncio e confessa: “Pois eu falei, sem nada entender, de maravilhas que ultrapassam meu conhecimento” (Jó 42, 3). O que conhecemos de Deus são apenas imagens e comparações. Através delas chegamos a vislumbrar obscuramente, como se estivéssemos bem distantes, o seu Mistério. São Paulo fez esta experiência: “Agora nós vemos num espelho, confusamente; mas, então veremos face a face” (1Cor 13, 12a). ‘Espelho’ e ‘comparação’ significam que as nossas imagens podem enunciar ‘algo’ sobre o Mistério de Deus. Não podemos falar de Deus senão servindo-nos da linguagem do nosso mundo. Sem dúvida, Deus é infinitamente maior que as nossas imagens e conceitos. É aquilo acima do qual não se pode pensar nada maior; é, segundo um pensamento de “Santo Anselmo de Cantuária”, até maior que tudo quanto se possa pensar. Segundo “Santo Tomás de Aquino”, todos os nossos conceitos e imagens exprimem o que Deus não é, mais o que Deus, de fato, é. Deus se revela no mundo; o mundo é sinal de Deus. Ensina o Catecismo da Igreja: “Partindo do movimento, da ordem e da beleza do mundo se pode chegar a conhecer Deus como origem e fim da realidade criada” (CIC 32). Todavia, Deus não se torna evidente, no sentido imediato do termo, através do mundo. Se essa evidência existisse, ninguém mais poderia negá-lo. Todo ser humano seria obrigado a afirmá-lo irresistivelmente. Ao contrário, chamando a atenção para si através de um sinal, Deus não se impõe a nós. Deus se propõe a nós. Deus respeita a liberdade humana. O diálogo com Deus, que toma como ponto de partida a realidade criada, o mundo, mesmo válido, acaba, ao mesmo tempo, sendo extremamente incerto e precário, devido ao pecado que obscureceu a inteligência e enfraqueceu a vontade humana. Além disso, existe outra ordem de realidades que o ser humano não pode de modo algum alcançar com as suas próprias forças, e que nos seria impossível conhecer se não nos tivessem sido comunicadas, já que não se podem deduzir dos fenômenos que nos rodeiam. O sinal é algo que, ao mesmo tempo em que revela, esconde. Ele não comunica diretamente a coisa que indica, mas quase a retém e a esconde dentro de si. Essa realidade ecoa com força na meditação bíblica: “Deus escondido, realmente sois Senhor” (Is 45, 15). A realidade criada leva a intuir a existência de uma realidade metafísica, no entanto, o ser humano, confiando unicamente na “razão”, não pode afirmar o que Deus é em si mesmo. Deus é mistério insondável, incomensurável, é fato que nos transcende. Para conhecermos a verdadeira realidade divina é necessária sua revelação na história. A bíblia relata a revelação divina na história, através do testemunho de personagens que fizeram uma experiência marcante do Mistério divino. Historicamente a revelação é documentada desde cerca de 2000 anos antes do evento Cristo, com a figura de Abraão. Deus, em sua bondade, dirigiu-se a nós de um modo que ‘transcende’ a sua manifestação na criação. Comunicou-nos quem é e deu-nos uma nova luz para compreendermos o mundo. Esta é a ‘Revelação divina’ propriamente dita. O motivo desta ‘Revelação’ é o ‘amor’ que move Deus a comunicar sua vida para além de si mesmo. São Tomás de Aquino afirma: “É o amor que causa a revelação dos mistérios”. E o Concílio Vaticano II confirma essa mesma ideia: “O Pai, que está no céu, vai amorosamente ao encontro de seus filhos para conversar com eles” (DV 21). Deus não está sentado no seu trono, como um monarca da Antiguidade, não permanece distante do ser humano. Pelo contrário, vem ao nosso encontro, entrega-se a nós. Revela-nos não só que existe, mas que é ‘rico em amor e fidelidade’ (cf. Ex 3, 14 e 34, 6); é ‘Emanuel’, o ‘Deus conosco’, que nos concede a sua amizade e nos convida a sermos seus amigos. Iniciaremos nossa reflexão acerca da Revelação divina, analisando a experiência de fé de Abraão.

ABRAÃO

1. Pai do povo eleito
Entre os personagens que ilustram a história do Antigo testamento, Abraão é certamente a figura mais espiritual. Abraão é retratado pela bíblia como um homem de fé simples e de obediência heróica: é aquele que diz “amém” a Deus (cf. Gn 12, 1-9; 15, 6; 18, 22-33; 22, 1-14). Em Abraão, o livro do Gênesis, vê realizar-se antecipadamente a fé de todo o povo de Israel, o povo eleito de Deus. Abraão é apresentado como o “pai do povo eleito", chamado a uma vocação com dimensão coletiva, ou melhor, universal: “Por ti serão benditos todos os clãs da terra” (Gn 12, 3b); “Eu te tornarei extremamente fecundo, de ti farei nações, e reis sairão de ti” (Gn 17, 6). Deus chamou Abraão para ser o “depositário” de suas promessas salvíficas. As “promessas” feitas a Abraão continham toda a substância dos bens – materiais e espirituais – que deveriam constituir toda a trama progressiva e dinâmica da história da salvação. Podemos afirmar que na pessoa de Abraão a história da salvação, já prenunciada em Gn 3, 15, teve o seu início concreto e efetivo.

2. A vocação de Abraão
Deus disse a Abraão: “Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que te mostrarei” (Gn 12,1). O Senhor pede que Abraão deixe toda a sua família e nem ao menos lhe indica um lugar preciso para o qual deve ir. Mas dirigiu-se a ele em termos compreensíveis, falou de terra, de casa, de pai, identificou-se com a realidade terrena daquele momento e daquele homem, revelou-se em consonância com os costumes semitas. A primeira característica da revelação divina é que ela é feita em termos adequados a nós, que nós podemos compreender. A segunda característica é "acreditar na Palavra de Deus". Abraão partiu, obedecendo à solicitação divina (cf. Gn 12, 4). É preciso não apenas escutar com prontidão a palavra que Deus dirige, mas também aceitá-la e confiar naquilo que Ele afirma. É necessário aquilo que se chama um “ato de fé”, no seu sentido mais completo. A maneira de Deus agir desconcerta: “(...) meus pensamentos não são vossos pensamentos e vossos caminhos não são meus caminhos (...). Quanto os céus estão acima da terra, tanto meus caminhos estão acima dos vossos caminhos, e meus pensamentos acima dos vossos pensamentos” (Is 55, 8-9). Não é mais a nossa razão que explica, mas é Deus mesmo que indica seus critérios. O sentimento de dependência é sempre uma condição da “experiência do Mistério”, mas agora é um sentimento de dependência muito mais comprometedor: trata-se de abandonar a si mesmo como critério de juízo, de estar à mercê do “Outro”. É a experiência da “disponibilidade absoluta” perante o Mistério divino. É unicamente a fé que anima o gesto de Abraão, que oferece em sacrifício seu filho Isaac (cf. Gn 22, 1-14). E Deus premia a fidelidade de quem aceita tudo dele, de quem permanece disponível, aberto à sua vontade. Quando o ser humano aprende a lição da fé, então Deus vem, como o anjo que salvou Isaac para Abraão.

3. A aliança de Deus com Abraão
Deus sela uma aliança com Abraão, através de um “rito cruento”, muito comum entre os antigos povos semitas: determinados animais eram mortos, seus corpos divididos ao meio e dispostos em duas filas paralelas, de modo que cada metade esteja diante da outra (cf. Gn 15, 9-10). O rito ainda prevê que os contraentes passem em meio aos pedaços dos animais, invocando contra si próprios, com fórmulas de maldição, a mesma sorte dos animais executados, no caso de no futuro uma das partes se mostrar infiel ao pacto concluído. É uma espécie de “juramento bilateral”, realizado na presença da divindade, e garantido pelo “simbolismo punitivo” dos animais divididos ao meio. O valor jurídico desse rito repousa numa fundamental igualdade das partes contraentes. No caso da aliança “Deus – Abraão” acontece uma novidade radical: somente Deus se compromete, Abraão apenas recebe o juramento divino (cf. Gn 15, 12.17-21). Somente Deus passa pelo corredor formados pelos animais, pois sua aliança é um “pacto unilateral”, “uma promessa absoluta”. A promessa feita a Abraão se realiza no Antigo Testamento, porém sua plenitude ocorre no Novo Testamento, em Jesus Cristo. A esse propósito, São Paulo segue uma via exegética, comum também a outros autores do Novo Testamento: os bens prometidos a Abraão, além do sentido imediato e literal do texto bíblico, se referem misteriosamente à pessoa e à obra salvífica de Jesus Cristo (cf. Gl 3, 16.29; Rm 4, 16-17; Jo 8, 56). Esse sentido, obviamente, permanece oculto à inteligência de Abraão e de Israel, mas estava realmente presente na “palavra-promessa” dirigida ao Patriarca do povo eleito. Isto não significa que o “conteúdo material” da promessa divina fosse privado de valor, como se Deus prometesse uma coisa e realizasse outra. Os bens literalmente prometidos a Abraão foram efetivamente realizados.
Porém, imanente ao conteúdo material da promessa está presente um conteúdo de ordem espiritual e de alcance universal: Cristo e a salvação para todos os povos. Irreversível, a aliança com Abraão não poderia fracassar em seu escopo, pois é regida unicamente pela “lógica da graça divina”: o que Deus promete, ele cumpre! Ao ser humano basta tão somente acolher com fé a promessa divina. É o binômio “graça – fé”. 

4. Experiência de Deus: experiência de fé
Abraão é o nosso pai, “pai na fé”. A fé, segundo a bíblia, é uma abertura a Deus, total disponibilidade diante de seus misteriosos desígnios. No Antigo Testamento as palavras utilizadas para indicar a experiência de fé tem sua raiz em “áman”, da qual deriva a palavra “amém”, pronunciada em nossas orações. "Áman" significa “apoiar-se”; apoiar os pés sobre qualquer coisa sólida, como, por exemplo, uma rocha, nunca apoiar-se na lama ou em um atoleiro. Portanto, "áman" dá o sentido de segurança. Amém significa “assim é”. Desse modo, fé é estar seguro, pois estamos apoiados sobre uma rocha, que é Deus. E da experiência de fé surge um sólido sentimento, um comportamento repleto de confiança e segurança. Essa foi a experiência de Abraão.



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